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O QUE QUEIMAMOS NO FOGO DA AMAZÔNIA?

Rio Negro e ilha amazônica embaçados pela fumaça esbranquiçada das queimadas.

Diversidade natural amazônica

Ao contrário do que muitos pensam, Amazônia não é sinônimo de Floresta Amazônica e não está restrita ao estado do Amazonas (ou mesmo à Amazônia brasileira, que se estende pelos territórios do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins). Seus mais de 5 milhões de quilômetros quadrados atravessam 8 países latino-americanos além do Brasil.

Mas a maior parte, de fato, se encontra no nosso país, que comporta quase 60% de uma região que possui 15% da biodiversidade do planeta e é habitat de cerca de 1.300 espécies de aves, 430 espécies de mamíferos e 3 mil espécies de peixes, além de mais de 15 mil plantas conhecidas.

Tanta riqueza é essencial não só para o Brasil, enquanto recurso estratégico para uma série de setores, mas também para toda a humanidade. Um exemplo claro dos serviços ecológicos prestados pelo bioma é a capacidade de absorção de carbono da floresta primária, que contribui para a pureza do ar e diminuição das temperaturas. 

Além disso, é a sua participação no ciclo da água que leva chuva a diferentes regiões do continente americano. Por meio dos rios voadores, fluxos de massas de ar carregadas de vapor d’água irrigam regiões centrais para o agronegócio mundial.

Mas toda essa riqueza está ameaçada.

Consequências econômicas do desmatamento

Cerca de 20% da formação original da Amazônia já foi devastada. Estima-se que, se esse número chegar a 40%, atingiremos um ponto de não retorno com consequências catastróficas para o planeta. Segundo dados da plataforma TerraBrasilis, que registra desmatamentos e focos de incêndio desde 1988, o desmatamento acumulado da Amazônia Legal já superou os 115.000 km². Somado a isso estão o aumento das queimadas, que anualmente registram mais focos nos meses de agosto e setembro.

E aqui é importante lembrar que não é “só” vegetação que sucumbe às queimadas. Mas, afinal, o que queimamos no fogo da Amazônia?

Com parte da floresta, também perdemos oportunidades.

No campo diplomático, a preocupação das autoridades internacionais sobre a governança ambiental brasileira implica em maiores dificuldades na condução das relações exteriores do Brasil. Assim, o país corre o risco de ficar para trás na economia e nos negócios globais.

E por “negócios” entende-se não só, mas sobretudo, o agronegócio, o principal setor da economia brasileira, que sofreu baques significativos com a polêmica na Amazônia. Como bem descreveu o Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero, “desmatar não ajuda a competitividade da agropecuária; ao contrário, coloca-a em risco”. A confirmação disso se deu pelas diversas iniciativas de boicotes aos produtos brasileiros tomadas ao redor do mundo, como a suspensão da compra de couro brasileiro que a H&M colocou em prática em 2019. 

Mesmo que muitos desses boicotes frquentemente não tenham justificativas plausíveis quando melhor avaliados, uma reputação ruim impede que o Brasil questione tais decisões, perdendo mercado para outros países exportadores de commodities.

E o impacto da destruição ambiental sobre os negócios vai muito além do setor agropecuário. 

Potencial bioeconômico da Amazônia

Florestas vivas são fonte infinita de inovação para as cadeias produtivas da agricultura. Afinal, o trigo, a soja, o milho e o tomate saíram do magnífico laboratório de inovações da biodiversidade. Sem desmerecer os esforços de aprimoramento da engenharia, o primeiro e principal inventor é a natureza. Consequentemente, uma das primeiras coisas que queimamos com a Amazônia é conhecimento.

Infelizmente, a falta de aproveitamento do potencial inovador da região é uma constante – e, sem investimento em pesquisa, fica difícil agregar valor mercadológico aos produtos originários dessa biodiversidade única.

Mas, entre os exemplos de produtos florestais amazônicos que já geram muita receita para o Brasil, podemos citar o açaí e o guaraná, que são exportados para o mundo todo e muitas vezes compõem a principal fonte de renda das comunidades da região. Da mesma forma, a farinha de tapioca ganhou fama no exterior com o “bubble tea”, criado em Taiwan.

A lista de alimentos típicos da região é exaustiva e vai desde o camu-camu, fruta com concentração de vitamina C 30 vezes maior que a da laranja, até o tucumã, fruta fibrosa consumida principalmente no x-caboquinho, famoso sanduíche regional.

Além dos sabores e nutrientes dos alimentos amazônicos, outros produtos da floresta são valiosos por seu multiuso. É o caso dos óleos de copaíba e andiroba, que podem ser utilizados como anti-inflamatório, cicatrizante, antisséptico, repelente e matéria-prima para cosméticos.

Imaginem todas as espécies de plantas, ervas e óleos cujas propriedades medicinais e tecnológicas ainda não conhecemos, e o potencial desperdiçado se tais propriedades forem destruídas antes que o façamos.

E não é só isso. Também se desperdiça muita madeira no meio das cinzas, deixando um mercado milionário mal aproveitado – afinal, a exploração de madeira para produção de móveis e papel pode, e deve, ser feita de forma sustentável.

Mas a Amazônia não se compõe apenas de fauna e flora: ela é feita de gente.

Consequências sociais das queimadas

Mais de 25 milhões de amazônidas sofrem com o impacto que a destruição da biodiversidade traz para as suas vidas. É nítido como as temperaturas estão cada vez mais altas durante o verão, e como o aumento na intensidade das chuvas de inverno causa cheias que quebram recordes.

Infelizmente, os impactos não acabam por aí. Como consequência das queimadas, em 2015 o ar poluído em Manaus esteve acima do limite aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Durante o mês de outubro, uma fumaça tóxica cobriu a cidade, prejudicando o funcionamento do aeroporto, atrapalhando atividades escolares e afetando a saúde da população.

Em 2019, um aumento no número de focos de incêndio levou a cerca de 2.195 hospitalizações, segundo o DataSUS. Tal situação ganhou visibilidade quando o problema chegou a São Paulo, sufocada por uma nuvem negra no ano em que os rios voadores deixaram de levar apenas chuva para o sudeste, e passaram a levar fumaça. Foi então que pudemos perceber que, em um ecossistema, a alteração de uma parte afeta o todo.

Agora, em 2023, o cenário se repete de forma ainda mais alarmante: no dia 11 de outubro, a cidade de Manaus atingiu o segundo pior nível de qualidade do ar do mundo. Além disso, os cidadãos da região amazônica têm o desafio extra de lidar com sensações térmicas que chegam a 49°C. Estipula-se até que o aumento da temperatura da água tenha causado a morte de mais de 100 botos na região de Tefé, afetada também pela seca histórica que assola o Amazonas.

Os efeitos catastróficos da crise climática já se fazem sentir – e os menos responsáveis são os que mais sofrem.

As consequências sociais das queimadas nos levam a refletir sobre a responsabilidade coletiva diante das mudanças climáticas. Como sociedade, estamos preparados para lidar com o sofrimento que a degradação ambiental impõe a todos os seres do planeta? E, ao olharmos para o futuro, que conhecimentos valiosos estamos perdendo ao permitir a destruição de um laboratório natural único?

Texto: Helena Andrade.

Revisão: João Tezza Neto.

Imagem de capa: Tadeu Rocha.

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